cinema.futebol.música

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Construindo Opinião

Não é preciso ser nenhum gênio para adivinhar quem fica com o primeiro lugar da lista das 100 melhores músicas brasileiras de todos os tempos, publicada recentemente pela revista Rolling Stone. Aliás, deixemos esse adjetivo (gênio) para o compositor e cantor que ganhou tal reconhecimento. Sim, estou falando dele mesmo, nosso Chico! E a canção? Bem, Construção, é claro.

Para aqueles que não acham tão óbvio assim, ou simplesmente não julgam merecida a posição no ranking, ouso argumentar abaixo em uma tentativa de desarmar o leitor menos flexível e quem sabe até convencê-lo a concordar comigo e com a revista.

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague

Para começar, a música já é em si uma construção. Tal como um prédio, ela foi minuciosamente planejada e trabalhada: palavra por palavra, tijolo por tijolo. Chico Buarque se preocupou com a escolha das palavras, brinca com elas e as usa como um médico usa seu bisturi. Nada poderia ser mais preciso! Tudo é metricamente calculado: as proparoxítonas no fim de cada frase, o jogo que as palavras assumem mudando de posição em diferentes momentos e a melodia destoada e carregada no clímax da história contada (a morte do personagem).

“Construção” é a quarta faixa do álbum intitulado com o mesmo nome e foi lançado em 1971, em um dos períodos mais críticos do Regime Militar. Nesse contexto, a canção de Chico serve como uma crítica, narrada à luz da história de um homem que trabalha arduamente até sua morte.


Ouça:

http://www.youtube.com/watch?v=P7mHf-UCZp0

0 comentários:

Postar um comentário